quinta-feira, 19 de abril de 2018

POESIA NA CARNE no CIEJA Campo Limpo

 I LOVE LAJE NO FOMENTO Á CULTURA DA PERIFERIA

Quem não gostaria de estar em um espaço que fosse, ao mesmo tempo, acolhedor e tranquilo. Um desafio infinito. Alegria. Casa. Ou luta? 

Um lugar onde se toma consciência do nosso papel no mundo?

Acima arrolei apenas algumas das respostas oferecidas à pergunta sobre o que seria o CIEJA para seus estudantes. Refiro-me ao CIEJA do Campo Limpo. 

Ao voltar a esse espaço, logo no painel de entrada, observo um cartaz vertical que demonstra uma reflexão sobre o alto índice de violência que, após um estupro, ainda costuma condenar a própria mulher. 

Maior satisfação poder retornar àquele centro educacional que ocorreu  à convite do próprio CIEJA do Campo Limpo, um dos nossos principais parceiros no desenvolvimento do projeto.

A mediação foi realizada pela bibliotecária Carolina que apostou nessa ousadia nossa de sexagenários que criam cenas breves e  que, de maio de 2017 até hoje vão configurando um conjunto de sete cenas intitulado: Poesia na Carne.

No salão verde realizamos seis sessões de teatro entre os períodos matutino, vespertino e noturno,  atingindo cerca de quatrocentos estudantes.

Pela escassez de espaços culturais, não surpreendeu constatar que muitos estudantes nunca tinham assistido a uma peça.  

Além do que, este tipo de teatro breve, performático, despojado e pobre, sem dúvida, exige do público outras percepções que não  passam pelo estilo convencional de uma arte que se reconheceria como teatro de entretenimento. 

- Vim aqui pra ver esse teatro, mas se tiver bandalheira, Ah! Eu é que não fico não! 

Com essa resposta,  uma senhora sentada bem lá atrás no auditório me deu seu recado desconfiado do que iríamos apresentar...

O auditório lotado de um público que, mesmo sem entender muito o porquê de haver saído do recinto emblemático do saber: a sala de aula, pouco a pouco, acabou se mostrando nada apático, ávidos em participar de algum modo.

Homens, mulheres que, muito cedo na vida, tiveram que deixar os estudos pra ajudar no sustento da família... 

Além de jovens que, expulsos de outras escolas, ou que, por carência de núcleos especiais de ensino, ou por outras dificuldades, sentiam-se agora privilegiados ao retornar ao ambiente que prima pelo acolhimento, com o melhor dos incentivos, a fim de que a pessoa possa superar a última etapa do ensino fundamental que havia ficado incompleto.

Quem conhece a proposta educacional do CIEJA do Campo Limpo aprende a ver inclusão social e como se leva isto a sério por lá.

Tá na cara o amor que os estudantes nutrem por essa escola e a relação prazerosa com que os professores tratam os estudantes. 
Tanto que muitos dos alunos,  apesar de concluírem os estudos, continuam por lá...

Como abandonar esse "lugar de paz" em uma das subregiões paulistanas mais afetadas pela violência?  

Com esse público, a atividade lúdica, irônica e paródica foi o  desabafo da indignação sobre o que se vive hoje no Brasil,  em forma de cenas de um teatro que, nascido de notícias de jornal, na linha de Augusto Boal...Nada hermético pra quem mora e convive 
nesse barril de pólvora.

De fato,  estamos felizes por ter conseguido a atenção dos  estudantes especialmente pelo fato de ser uma dupla de atores  formada por sexagenários.
A escassez  do teatro proposto não vem pela falta de dispositivos, mas de uma aposta que um diretor polonês - Grotowski - chamou há 50 anos de "Teatro Pobre".

Hoje, nossa performance busca um gênero dramático que também caiba no espaço dos saraus...

A contemporaneidade marcada pela velocidade inova pelos extremos: ou bem se manifesta por uma longa duração como a das montagens  do Teatro Oficina como o de Zé Celso, ou  pra grupos como o nosso que  por não pertencer ao circuito profissional, faz da experiência minimalista, com cenas curtas, uma maneira de formar público para teatro...

E a escolha do adjetivo "pobre" destaca também um  sentido especial que é o de priorizar o corpo do ator/atriz, ao invés de recursos tecnológicos. 

Sem dúvida,  algo rústico para o século XXI, mas coerente com esse chão onde os pés pisam... 

E neste caso, da "Loa da salsicha" ao poema "Cada um é todo mundo", a voz vai  congregando estética e política sobre temas que vão da macro à micropolítica em sete fragmentos.

De toda a apresentação, seja pela temática ou pela performance,   o poema "Briga de Casal" de Marco Pezão foi o que mais chegou  ao público: o mais hilariante para plateia.

Entretanto o clímax se deu com a experiência no uso de uma técnica interativa de Augusto Boal adotada para a cena "Pastoreio" que mostra o encontro de uma das fiéis com seu pastor.

O Teatro Fórum. Após a cena, há um pedido a quem  quisesse  vir à frente para assumir o lugar da atriz ( a fiel), propondo um outro final ao diálogo. Não se levava em conta quem assumiria o papel, uma vez  colocado o véu, o estudante passa a exercer o papel de "fiel" na cena.  

Pra nós foi o ato mais impactante de toda as performances. Em todas as sessões no CIEJA houve quem viesse à frente para propor outro final. 


Vera Lucia, Juan, Gislaine, Robson e a Profa. Lorice  são alguns daqueles que aceitaram o desafio de propor outro final como atores ou atrizes no processo. 

Concluindo, houve algum aprendizado? 

Esse é o teatro que marcou a nossa juventude na década de 70 e que hoje atualizamos diante de um presente cada vez mais chocante em nossa caminhada para uma democracia de fato.

Gratos pelo convite é pouco pra narrar a oportunidade que o CIEJA cria para mais um ato de parceria com a escola que aqui perto do I love laje representa, na periferia, um modelo de cidadania, de solidariedade e de convivência democrática em nossa região.

Só entrando e conhecendo estudantes, professores e funcionários para entender porque entre as respostas dos alunos sobressai a frase:
                "Eu amo a escola!"
 Quem é que pode passar incólume sem admirar a qualidade educacional do CIEJA do Campo Limpo?

Confiram como Anderson, estudante com deficiência visual, homenageou sua escola, ao som de seu cavaquinho, compondo a canção:"Ombro Amigo". 


Texto: Alai Diniz
Fotos e vídeos: Carol, do Cieja
Edição:Alai Diniz e Marco Pezão

DO CAMPO LIMPO AO SINTÉTICO

POESIA SEM MISÉRIA

A VÁRZEA É ARTE

A VÁRZEA É VIDA

PARTICIPE!

Esse projeto foi contemplado pela 1ª edição do Programa de Fomento à Cultura da Periferia da cidade de São Paulo

2 comentários:

Caroltomoi disse...

Sempre grata e feliz por parceiros tão especiais, cheia de encantos em cantos indescritíveis que é o Cieja, que é o Capão... Pois é lá que a vida e suas histórias pulsam dentro de seus moradores-trabalhadores...

Luizete barros disse...

Vibrante e interessante!!! Como dá pra fazer muito com tão pouco? Só com 2 atores geniais!!!